quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A MULHER NA ALVORADA DO PRIMEIRO MILÉNIO

Lilith, John Collie (1892)


"Se pensares naquilo que te sai da boca, das narinas, de todo o teu interior, hás-de concordar que não há nenhuma estrumeira mais repelente do que o corpo humano."

Assim escrevia São Bernardo a um amigo tentando alerta-lo para os perigos da carne.
Olhar o corpo como a encarnação do pecado e da tentação, e em especial olhar o corpo da mulher e a sua carne como raiz de todos os males, foi o modus operandis usado sistematicamente pela Igreja desde que Constantino tornou a Ecclesia como religião oficial do Império.
Foram séculos de culpa incutida nas mentes dos homens e mulheres de uma Europa culturalmente atrasada.
A mulher, acreditando na Bíblia, foi escolhida pelo próprio Deus para ser a culpada. Deu ouvidos à serpente, convenceu o Adão a dar a trinca na maçã. É Deus que o diz. Nenhum júri a absolvia.
A Eva é tão culpada que 99% da humanidade nem sonha que ela era já a segunda mulher de Adão.
E o que começou no Génesis do livro judaico, ganhou força quando a Igreja saiu das terras que viriam a ser santas e se mudou para a Caput Mundi, aka Roma.
Maria Madalena viu o seu papel ser seriamente revisto e revisitado (mas isso são contas de outro rosário), o pecado da carne foi instituído num remake famoso dos 10 Testamentos e a forma como a mulher foi vista na Idade Média acabaria por descambar na paranóia das bruxas, dos cultos satânicos, das orgias rituais, dos incubus e dos sucubus...
Olhando para trás já pensaram quantas mulheres arderam nas fogueiras da Europa só porque eram roliças e jeitosas, ou porque sorriram ao ouvir o piropo do gajo errado?

Saint Odin de cluny perguntou numa das suas meditações, como seria possível alguém que se recusa a tocar no esterco ou no pus de uma chaga pode desejar beijar uma mulher, que é (nas suas palavras) um saco de imundices.
Outros consideraram a mulher uma obra do diabo, e por falar nele onde é que foi parar a costela que Deus roubou a Adão?
Seja como for, a mulher na óptica destes senhores era a encarnação do mal, continuando a ser a desviadora do caminho correcto... em cada mulher há uma Eva disposta a desencaminhar o homem, pensava-se...

À luz das ideias da altura, chegava-se ao ponto de tolerar o sexo apenas para fins de procriação e claro que dentro da santidade do matrimónio. Mas mesmo assim, os esposos deviam "consumar o acto entre choros e lamentos" e já agora, não olhar na direcção de Jerusalém enquanto estivessem nesses reparos.
Depois disto tudo é curioso lembrar os lamentos do moralista São Pedro Damião quando estava às portas da morte:

"Ai de mim, coração miserável! Que não sabe entesourar as maravilhas das Escrituras, lidas centenas de vezes, e não consegue expulsar a recordação de um corpo de mulher, visto só uma vez!"



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